Titular: Helio Fernandes

sábado, 13 de dezembro de 2014

*Blog oficial do jornalista Helio Fernandes que durante 46 anos foi diretor do jornal Tribuna da Imprensa. Aqui teremos suas matérias exclusivas, e também a participação de colunistas especialmente convidados. (NR).

DERRUBADA A DITADURA DO “ESTADO NOVO”, QUASE 18 ANOS DE ESTRANHA DEMOCRACIA. E UMA EXCELENTE CONSTITUIÇÃO QUE SERIA ASSASSINADA EM 1964, ANTES DE ATINGIR A MAIORIDADE.

HELIO FERNANDES
13.12.14

A democracia no Brasil sempre foi ficção ou esperança, jamais confirmada. Basta dizer que apenas com um impeachment, existem quase tantos vices que assumiram, do que os eleitos que terminaram o mandato, O vazio entre um golpe e outro, era preenchido por um novo golpe. Comumente chamado de “quartelada”, a palavra não precisa de explicação.

O fim da “República Velha”, não significava que surgiria obrigatoriamente uma ”República Nova”. A de 1889 foi substituída pela de 30, este foi passando de data, até que chegou a 1964. Duração dos golpes dependia sempre do entendimento entre civis e militares. Quando se dividiam, não havia modificações na arbitrariedade e sim nos ocupantes do Poder, fossem civis ou militares.

Até 1935 os golpes se sucediam, não ostensivamente, sem divisões. Civis e militares “assimilavam” essa estranha democracia sem eleições e até mesmo sem liberdade, credibilidade, autenticidade. Até 1937 quando houve a grande cisão, dividindo abertamente militares contra militares, civis contra civis, uns atirando nos outros, se atingiam mutuamente, sem o menor ressentimento ou constrangimento.

Com a revolução comunista de 1935, a prisão de Prestes em 1936, o “Estado Novo” de Vargas em 1937, e a derrubada da ditadura em 1945, aconteceu muita coisa.

O movimento integralista de 1938, chefiado por Plínio Salgado, não teve a menor repercussão. Mas uma visita de bastidores, em 1940, praticamente desconhecida até de historiadores, que escrevem sobre a “história, lendo os jornais da época”.

Stalin pede a Vargas a liberdade de Prestes.

Em maio de 1940, sem a menor convicção, mas sofrendo a pressão da opinião pública, e politicamente do estadista Osvaldo Aranha, Vargas “declarou guerra á Alemanha nazista”. Foi uma surpresa, mas que gerou consequências. E embora não noticiado na soturna e medíocre imprensa da época, importantíssimo acontecimento.

Quase no final desse 1940, Stalin mandou um alto dignitário do Politburo conversar com Vargas. Uma só frase – reivindicação: “Como agira o Brasil e a União Soviética são aliados, não tem sentido manter preso o camarada Prestes”. Esperto, malandro, com espantosa habilidade, Vargas “sentiu” o que lhe caía nas mãos.

Respondeu vagamente, tenho “que fazer consultas”, depois responderei. Prestes estava preso desde 1936, Sobral Pinto escreveu: “Prestes não foi torturado fisicamente, mas não tinha direito algum”. O grande torturado, que enlouqueceu para o resto da vida, foi Harry Berger. Mas Vargas só se interessava pelo fato político.

Mandou construir para Prestes na Penitenciária da Frei Caneca (no centro da cidade), uma casa de madeira para abrigar o líder comunista. Dois quartos e uma sala, banheiro, cozinha, e o mais importante: podia receber visitas diárias, livros, correspondências, ficou satisfeitíssimo.

1943, começa o fim da ditadura.

Os militares não comunistas se revoltaram com essa pseuda ou suposta liberalidade de Vargas. E se dividiram, até ostensivamente. Em 1943 surgiu o “Manifesto dos Mineiros”, com assinatura de grandes personalidades políticas. E com respaldo, velado, de militares, antes “getulistas”. Todos que ocupavam cargos públicos foram demitidos acintosamente.

1944, acaba a censura previa, inicialmente um retrocesso.

As redações funcionavam com censores que liam todas as matérias, o que aconteceria também com o golpe de 64. Todas as ditaduras se parecem e se comparam, não há diferença.

O sangue escorre pelas mesmas paredes, provocado pelas mesmas torturas, o importante é que esses fatos não cheguem á opinião pública. Esse sempre foi o objetivo da cesura em todos os golpes de todas as ditaduras, crentes e cientes que praticaram assassinatos. Não importava aos ditadores que atingissem amigos, ex-amigos ou inimigos.

O grande jornalista Rubem Braga que escrevia diariamente no “O Jornal”, entregou ao censor (isso era obrigatório) um artigo, com o título, “O fícus da Praça Paris”.

O censor, atropelado com tanta coisa, viu rapidamente, rabiscou uma assinatura, o texto foi autorizado. Só que o jornalista comparava o fícus (uma arvore redonda, baixa) com a bunda de Vargas. Foi um escândalo.

O ditador chamou seu chefe da Casa Civil, Lourival Fontes, homem intelectualmente preparadíssimo mas sem nenhum caráter ou lealdade a ninguém, (nem mesmo ao ditador) e deu a ordem: “mande retirar os censores de todos os jornais. Chame os proprietários (palavra que usou pejorativamente) e diga que agira serão responsáveis por tudo o que for publicado”. E acrescentou: “Não quero conversar com ninguém, você dê as ordens”.

Até piorou muitíssimo, os donos dos jornais, apavorados, eram mais discricionários e autoritários do que os censores. Mas a ditadura do “Estado Novo” estava no fim, Vargas não percebeu. No inicio de 1945 mandou libertar Prestes, que surgiu com a palavra de ordem surpreendente; “Constituinte com Vargas”.

Logo a seguir, num comício no Estádio do Vasco (o Maracanã surgiria cinco anos depois) Prestes ratificou essa posição. Pelas noticias da época, estavam presentes 150 mil pessoas, que lotavam o próprio campo de futebol.

Prestes foi duríssimo com a massa, criticou a todos, reprimenda total: “Vocês abandonaram completamente a luta, só querem saber de geladeira e de um radio maior do que os outros”. Ainda não havia televisão, os rádios eram enormes, aquela multidão chorava sem parar. E Prestes aparentando uma vitória espetacular.

 1945: derrotas em cima de derrotas, o fim da ditadura.

Em janeiro, começando o ano, Vargas não percebeu nada. Lourival Fontes, cujo caráter já descrevi ligeiramente, falou: “Presidente, estou cansado, gostaria de um tempo, a embaixada no México está vaga, poderia ficar um ano lá”. Foi nomeado embaixador imediatamente, no 29 de outubro, Vargas desapareceria, Lourival estava longe.

Quando Vargas voltou, “eleito” pela primeira vez em 1950, Lourival reaparecia, tomava o antigo lugar. Os militares se “dividiram” mas todos abandonaram Vargas. Na manhã do dia 29 de outubro, Vargas nomeou o irmão “Beijo Vargas”, Chefe de Policia. Bêbado, frequentador de cassinos, corrupto, dava tiros no próprio auditório, assustava todo mundo.

Ás 17 horas, Cordeiro de Farias, general antes dos 40 anos, fato raríssimo, foi ao Catete, disse a Vargas: “Presidente, o senhor está deposto, garanto sua saída e tranquilidade”.

Com apoio do cardeal, Vargas concordou, saiu, foi para Itu, sua cidade preferida. Surpreendentemente não houve inelegibilidade, punições, todos que estiveram mais de 10 anos no Poder, puderam se candidatar ao que bem entendessem, E a legislação eleitoral, que só vigoraria em 2 de dezembro desse 1945, extravagante, absurda, antidemocrática.

Todo e qualquer cidadão podia se candidatar cumulativamente por 7 estados, ao mesmo tempo a deputado e senador. Prestes se elegeu deputado e senador pelo então Distrito Federal tinha que optar, lógico, assumiu o senado. O mesmo aconteceu com Vargas, preferiu o Senado pelo Rio Grande do Sul. Mas só apareceu uma vez.

Vargas não devia ter voltado, jamais governara democraticamente.

Dutra, o militar que garantia o poder e a ditadura do civil Vargas, foi “eleito”. Ficou até 1950, quando Vargas foi feito presidente. Cometeu muitos erros a vida toda, mas esse o maior de todos. Quase não toma posse por causa da campanha violentíssima do general (da reserva) Golbery e de Carlos Lacerda, então intimissimos. (Em 1964 já estariam em lados opostos).

Para assumir, Vargas teve que recorrer ao general Stilac Leal, a mais respeitada liderança nacionalista militar. Acabara de assumir a presidência do Clube Militar, derrotando Cordeiro de Farias, numa luta tremenda. (naquela época só generais da ativa podiam presidir o Clube. Depois e até hoje, só generais da reserva). Stilac assumiu mas adiantou muito pouco.
Vargas nomeou Jango Ministro do Trabalho, mas ele só duraria um ano. Em 1952, surgiu o "Manifesto dos coronéis", 69 deles exigiam a saída do Ministro. Motivo: dobrara o salário mínimo. A primeira assinatura era de Amaury Kruel, um prussiano audacioso, da mesma turma de Castelo Branco, mas sempre ridicularizando o depois "presidente", por causa do seu físico disforme.

Jango, que gostava de "fingir de conciliador", foi a Vargas, falou: "Presidente, não estamos em condições de confronto, eu deixo o Ministério, o senhor nomeia qualquer um". O ditador de 15 anos não sabia o que fazer, aceitou, mas isso não era solução, os dois acreditavam que fosse paliativo. Também não era.

Vargas governava com um revolver na cabeça, pronto para atirar, nele mesmo.

1953 e 1954 foram tenebrosos. Nada dava certo, o presidente acreditou que tinha os mesmos "poderes" dos 15 anos anteriores, caminhava para o desastre, o drama, a tragédia. Isso aconteceu no dia 23 de Agosto de 1954, na verdade já dia 24. Ás sete da noite começou no Catete uma reunião ministerial, presidida pelo próprio Vargas. Tumultuadíssima, todos querendo falar ao mesmo tempo. O jovem Ministro da Justiça, Tancredo Neves, tentando defender o presidente.

O general Zenóbio da Costa, já Ministro da Guerra, querendo mostrar a Vargas que devia aceitar o "licenciamento por 30 ou 60 dias". Dizia que representava um grupo grande de militares que vieram da FEB, e apoiariam Vargas se aceitasse o "licenciamento". Zenóbio não estava mentindo a respeito da representatividade que exibia, mas não falava a verdade sobre o "licenciamento".

Às cinco da manhã Vargas saiu da reunião, subiu para o seu quarto. Foi seguido pelo irmão "Beijo", que lhe disse: "Getulio, você não está licenciado e sim deposto, não voltará mais." O presidente foi sumário: "Então é isso?".

Às seis da manhã se ouviu um tiro, apenas um, todos subiram,  presidente estava morto, atirara no próprio coração. Foi um dos momentos Históricos da República, sensação no Catete, emoção nas ruas, repercussão no mundo inteiro. Mas aí para complicar mais a interpretação, surgiu do nada o que se chamou de "Carta Testamento".

O documento estava com o próprio presidente, só uma pessoa sabia dele e do seu conteúdo. O brilhante jornalista Maciel de Sá, que redigira a "carta" a pedido do próprio Vargas. Texto impecável, redator do jornal "Imparcial", discretíssimo não falara antes com ninguém. E depois não havia interesse algum, o presidente estava morto, multidões acompanhariam seu enterro. A saída, no Distrito Federal e no Rio Grande do Sul, a chegada.

1955, 61, 63, finalmente o novo poder, surgido de 64.

Assumiu o vice Café Filho, conspirador nato, eleito deputado em 1950, e fazia um discurso diário contra Vargas, sempre com o mesmo título: "Lembrai-vos de 37". Todos esperavam suas palavras. Nomeou o general Juarez Távora Chefe da Casa Militar, que participara dos movimentos "Tenentistas" até descobrir que seu futuro e seu destino eram outros.

Governador de Minas, Juscelino no fim desse mesmo 1954, pediu audiência a Café presidente, comunicou: "Serei candidato á sua sucessão". Café agradeceu a "gentileza", respondeu: "Ficarei neutro, não terei candidato". Mas imediatamente jogava nas ruas o nome do próprio Juarez Távora.

Revelada a candidatura JK, Carlos Lacerda (ainda na parceria com Golbery), fez a frase de efeito, nisso ele era invencível.

Em entrevista coletiva, afirmou textualmente: "Juscelino não será candidato, se for, não ganha, se ganhar não toma posse, se tomar posse não governa". Tudo isso deu errado, JK disputou, tomou posse embora precisasse do apoio de uma parte dos generais derrotados em 1954. Nesse 11 de novembro de 1955, numa chuvosa e interminável madrugada, generais davam posse a Nereu Ramos, que garantiria JK no 31 de janeiro de 1956.

PS- Tenho que interromper, acreditei que em duas matérias chegaria a 1964. Mas em 61 surgiu Jânio, o "trefego peralta", apoiado pelos generais derrotados em 1954 e 55, e queriam "forra" atrelados ao novo presidente. Não foram vencidos nem vencedores, tiveram que fazer um acordo.

PS2- Nos próximos dias, continuarei. Não posso escrever sobre o assunto, sem liga-lo ás torturas assombrosas, comandadas pelo presidente George W. Bush, que confessou: "Sem tortura não se obtém informação".


PS3- Importantíssimo isso que aconteceu nos EUA, o mesmo país que garantiu, apoiou e financiou os assassinatos de Allende no Chile, o golpe de Videla na Argentina, e os assassinatos aqui mesmo, tudo entrelaçado.

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